Serenela Moreira — 26 de novembro de 2020
Entrevista a Vitor Nunes
Quando conhecemos a página matematica.pt, estávamos longe de imaginar que o seu autor é na verdade formado em Informática! Por isso, foi com curiosidade que quisemos conhecer melhor a história do professor Vitor Nunes e o que o levou a criar este projeto há mais de 6 anos. Embora só tenha descoberto a “beleza da matemática” depois da universidade, isso não o impediu de criar um portal online que hoje conta com mais de 15.000 visitas diárias.
Com vontade constante de melhorar, não se considerasse Vitor um “eterno insatisfeito”, a este projeto soma dois canais de youtube, um deles com uma companhia… especial!
Como surgiu a paixão pela matemática?
Desde muito novo, quando tinha cerca de 10 ou 12 anos, percebi que tinha um certo jeito para a matemática. Lembro-me que gostava de resolver pequenos desafios matemáticos, especialmente aquele tipo de problemas que davam luta e do prazer que era conseguir chegar à solução certa. No entanto, sempre fui preguiçoso em relação aos estudos e houve vários conceitos matemáticos que me passaram completamente ao lado. Anos mais tarde, com vinte e poucos anos tive que voltar a rever a matéria do secundário para poder dar explicações. Foi uma revisão feita com tempo e prazer e lembro-me perfeitamente da epifania que foi perceber o conceito de derivada, da sua relação com o declive da reta e de como isso poderia ser útil para encontrar o máximo de uma função. Fiquei com uma grande admiração por todos os grandes matemáticos que conseguiram descobrir esses conceitos. E só nessa altura entendi realmente a beleza da matemática.
Embora tenha um site dedicado à matemática, é professor de informática. Pode contar-nos um pouco do seu percurso que o levou a enveredar por esta área?
Também aqui o gosto pela informática surgiu quando era novo. Tive o meu primeiro computador com cerca de 14 anos, gostava de jogar como era natural, mas também sentia prazer em explorar a programação. Fascinava-me a possibilidade de dar ordens ao computador e de ele seguir essas instruções cegamente. Mais tarde lembro-me de ter visto um filme “jogos de guerra”, em que um adolescente com a ajuda do seu computador pessoal se consegue ligar ao sistema de defesa do Estados Unidos e sem querer quase dá início a uma terceira guerra mundial. Fiquei fascinado com o poder que os computadores tinham.
Há quanto tempo criou a sua página? Pode contar-nos um pouco sobre porque criou o site matematica.pt?
O site matematica.pt surgiu da necessidade de encontrar um tema para um projeto quando eu me encontrava a frequentar o segundo ano de mestrado em Educação e Tecnologias Digitais da Universidade de Lisboa. Escolhi este tema porque me permitiu aliar duas paixões: a Informática e a Matemática. Apesar de a ideia ter surgido em março de 2013 e de ter imediatamente começado a trabalhar nela, o site só viu a luz do dia em março de 2014, exatamente um ano após o início dos trabalhos. De então para cá, o site tem crescido constantemente em conteúdo e em número de utilizadores.
Quais sãos os seus objetivos com o seu projeto e o que mais gosta no matematica.pt?
Gosto do feedback que recebo diariamente, por parte dos utilizadores, que referem a preciosa ajuda que o site deu no esclarecimento das suas dúvidas. Gosto de olhar para o projeto e comparar o número de visitas que tinha no início com aquelas que tenho hoje. Agrada-me constatar a evolução que tem sido e descobrir que por vezes alguns temas que eu julgava que não teriam grande visibilidade ganham grande destaque. Também é engraçado constatar que o inverso acontece várias vezes, por mais do de uma vez, dou por mim a criar algumas páginas que acho que vão ser um grande sucesso e afinal são banais.
Gosto sobretudo do facto da matemática ser intemporal, como tal, posso perder algum tempo a escrever um artigo porque sei que o seu conteúdo será sempre atual. Como sou um eterno insatisfeito, acho sempre que existe espaço para melhorar e agrada-me estar constantemente a introduzir pequenas melhorias, que por vezes passam despercebidas a quem utiliza o site, mas que são importantes porque sei que vão melhorar a experiência do utilizador.
Porque criou um canal de youtube associado à página?
O canal do Youtube foi o passo lógico seguinte, quando percebi que as explicações funcionam melhor em vídeo do que por escrito. A maior parte dos alunos de hoje em dia, quando precisa de aprender alguma coisa, já não recorre a um motor de busca, nem tem paciência para estar a ler um tutorial que explique passo a passo como fazer algo. Ao invés preferem recorrer ao YouTube e assistir a um vídeo, de preferência curto, que lhes permita de forma rápida esclarecer as suas dúvidas.
Entretanto, juntou-se à sua filha para criar um outro canal: Os Números da Inês. Como surgiu esta ideia?
Durante esta caminhada percebi que os alunos em Portugal começam desde muito cedo a sentir dificuldades em matemática e a recorrer a explicações. Surgiu-me então a ideia de ensinar matemática, recorrendo aos pontos de vista de uma criança e utilizando a linguagem de uma criança. Tenho dois filhos e a minha filha mais nova sempre foi muito comunicativa. Quando lhe propus a ideia, ela aceitou imediatamente. Normalmente fazemos um vídeo por semana, à medida que ela vai dando a matéria na escola. Desta forma aproveitamos para rever em conjunto os assuntos que ela abordou durante a semana. Pelo caminho vou esclarecendo algumas dúvidas que lhe vão surgindo e sempre nos vamos divertindo com as gravações, porque como é óbvio nem tudo corre bem à primeira.
Como tem sido a adesão dos mais novos a este tipo de conteúdos?
A adesão tem sido bastante positiva, ainda que eu ache que não é fácil, para um canal novo, conseguir sobressair no YouTube. O algoritmo de pesquisa tende a dar preferência aos canais que já existem há algum tempo e que possuem milhares de seguidores.
Qual é a melhor memória que tem enquanto professor?
Gosto de ensinar e gosto do prazer que sinto quando vejo que os ensinamentos que estou a transmitir estão a ser interiorizados pelos alunos. Mas sou algo crítico em relação ao panorama atual. Acho que a escola perdeu algo da sua magia e os alunos têm cada vez menos um pensamento crítico. Aceitam aquilo que lhes é dito sem questionar e sem tentar perceber se as coisas fazem sentido e se poderiam ser de outra forma. No que diz respeito à matemática, acho que os exercícios de hoje em dia são muito repetitivos e deixam pouco espaço à imaginação. A maioria dos exercícios limita-se a dar os dados, pede para utilizar uma determinada fórmula e assim obter o resultado final. Não há espaço nem tempo para a criatividade, a descoberta ou a experimentação.